O processo de apropriação de uma cidade

Cheguei cá há quase 9 anos, no início de Agosto de 2000. vinha “de vez” e contrariada, triste por trocar macau por portugal, um dos meus destinos preferidos… de férias. a casa nem me parecia habitável por mais do que um mês, tão habituada que estava a passar aqui um verão de três em três anos.

portugal era, para mim, o areal infinito das praias de são joão, na costa da caparica, com as filas incríveis para lá chegar, as línguas da sogra com areia, as bolas de berlim, os pregões dos vendedores.. era a casa dos meus avós cheia de primos que voltava a conhecer cada vez que cá vinha, a sopa em tigelas de plástico, a sobremesa que a minha avó me mandava ir buscar ao frigorífico, a figura respeitável do meu avô, que normalmente estava rodeado dos tios ou dos primos “mais crescidos”, e que nos recebia sempre com um sorriso do tamanho da alma. Um país inteiro reduzido a isto: a costa da caparica e a casa dos meus avós. e na altura isto parecia-me tão suficiente.

Lisboa e Macau têm em comum uma coisa: o programa oficial da escola portuguesa. Em tudo o resto são tão diferentes: as dimensões, a cultura, as pessoas. Durante os primeiros anos em que cá estive fui-me adaptando à nova realidade: a andar de metro, a desconfiar de tudo e mais alguma coisa, à insegurança, a ver o português em todo o lado, na televisão, nos livros, nas conversas do lado, nas publicidades, habituei-me aos grandes supermercados e às grandes superfícies, à bershka e à pull and bear, ao sol de lisboa, ao pato à pequim.

Depois de saber o básico é que comecei a conhecer Lisboa. A perceber que para ir ao saldanha é muito mais rápido sair na alameda e fazer o resto do percurso a pé. A tornar-me fã do pão com chouriço da merendeira (eu, que nem gostava de chouriço). A conhecer o percurso do autocarro da madrugada. A ir ao nimas e ao cinema são jorge. A evitar os centros comerciais. A visitar o museu nacional de arte antiga e a subir ao topo do panteão nacional. A trocar o pato à pequim pelo “cha siu” do chinês de alcântara. A gostar de andar pela cidade.

Foram precisos sete santos antónios para entrar em alfama e não sei quantos mais serão precisos para conseguir subir ao castelo na noite de 12 de junho. Mesmo sem o ter feito, hoje, passados quase nove anos de viver aqui, consigo dizer que Lisboa também é minha.

9 Responses to “O processo de apropriação de uma cidade”

  1. Telma M. Says:

    Para mim o choque não foi tão grande, pois apenas mudei de cidade. Mas reconheço-me nalgumas das tuas palavras.
    Também eu sofri esse processo de habituação que fez com que Lisboa tivesse no dia de hoje o significado que tem.
    ***

  2. Estou sem palavras…
    Só me vens dar razão… quem vem de fora, desde que não venha com ideias pré-concebidas, aprecia muito mais a cidade linda que temos. E até consegue observar coisas que o lisboeta não vê… porque cá está todos os dias da vida.

  3. Apropriaste-te de Lisboa e ela apoderou-se de ti.

  4. Ai, que saudades da minha Lisboa… E tu definiste tudo tão bem que só tenho vontade de sair voando para aí, para palmilhar a Baixa e comer Pastéis de Belém.

    Saudadji!!

  5. manuel abecasis Says:

    e é minha também =)

  6. Olá você,
    Fico contente de ter rever, procurei coisas minhas na net e vim dar contigo.
    1Xi grande e vou ficar atenta às tuas prosas.

  7. A senhora que escreve neste blog tem muitas coisas interessantes para dizer e não se justifica que, daqui a cinco dias, faça um mês que nada escreve de novo por estas bandas. Julgo falar em nome de todos os leitores se disser que estamos a ressacar. Proponho uma petição para a revitalização da teresa.
    Beijinhos!

  8. Telma M: :) faz parte da aprendizagem de um sítio, né?

    João: E oslo, como é? Reparei que já mudaste o teu blogue, falta só a parte de escrever (apesar de tudo acho que ainda não te ultrapassei) :P

    pc: uma voz de fora vem muitas vezes trazer um pouco de racionalidade hehehe

    ricardo: nem mais!

    Ana: quando vieres, combinamos … uma ida aos pastéis? :P

    Sami: Olá Olá!:D Obrigada!! espero que esteja tudo bem contigo e que as tuas “coisas” estejam a correr bem :D

    pc (outra vez): um mês passa tão rapidamente, sem nos darmos conta disso. não cheguei a passar um mês e foi graças à tua persistência. Obrigada:)

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